E narrando
a partida o locutor a todo momento exaltava a grandeza do Vasco. Falava da
história, enumerava títulos, tetracampeão brasileiro, campeão da Libertadores,
mas em nenhum momento, nas mais de duas horas de transmissão, em nenhum momento
ele falou do Sulamericano de 48, mesmo com o jogo sendo disputado no mesmo
lugar do primeiro campeonato continental de clubes da história, exatos setenta
anos depois, nem com o gancho da data redonda o narrador que exaltava a
história do Vasco falou sequer do Expresso da Vitória, assim como todas as
outras emissoras, todos os sites e jornais esportivos também não falaram.
A
Libertadores deixou de ser uma possibilidade com a volta triunfal dos árbitros
da CBF apitando, este ano, jogos entre brasileiros no torneio. Eles andavam
distantes destes embates tão importantes desde a campanha vitoriosa, única, do
segundo mais querido da mídia, notório amarelão na Copa. Na semifinal, contra o
Santos, faltando dois ou três minutos pra ser confirmada a classificação do
Timão, o bandeirinha nacional não se controlava de tanta alegria e desenhava
bolas enormes no gramado com seu spray de espuma. Nas quartas-de-final, contra
o Vasco, todas as emissoras de tevê tiveram de embarcar na onda do tira-teima
corretivo, mostrado com quarenta ou cinquenta minutos de atraso, torto,
manipulado pra tentar dizer que o gol legal de Alecssandro tinha, sim, que ter
sido anulado como foi, garantindo dessa forma a invencibilidade, no mata-mata, da
meta paulista.
Maior de
todos os prejudicados por um árbitro brasileiro num jogo caseiro de
Libertadores, disparado, o Galo Mineiro brigou firme e conseguiu que seu
confronto com o São Paulo, pelas oitavas de 2013, fosse apitado por um
estrangeiro. Passou, foi campeão e desde então não se via mais brasileiro
arbitrando duelos entre brasileiros nas competições continentais. Até que o
Vasco voltou à Libertadores, e justamente quando voltou o Vasco, voltaram os
juízes brasileiros, da CBF, aos jogos entre clubes nacionais.
E no jogo
decisivo entre Vasco e Cruzeiro, em São Januário, com o time começando bem,
apoiado pela torcida, já tendo chegado com duas boas oportunidades, com o
Caldeirão aquecendo pra partida de vida e morte, o juiz brasileiro, dos mais
elogiados pelos especialistas e, fisicamente, dos mais bombados, o brasileirão
musculosão da vez validou na cara dura o primeiro gol do Cruzeiro, com três
jogadores do time mineiro impedidos na jogada. Três impedidos e nada, gol legal
do Cruzeiro, segundo sua senhoria, o juiz da CBF, e acabou-se ali a chance do
tri sulamericano para o Vasco.
Quando já
estava 3 a 0 pra eles, depois do início do segundo tempo no qual Riascos meteu,
meio sem querer, na trave, quando o time ao menos mostrava algum ânimo, ali, ao
não marcar falta clara de Sassá em Werley, ali o juizão garantiu a goleada que
tornaria tudo inquestionável. Quatro a zero não tem o que falar, disseram todos
os especialistas, sem que nenhum deles cogitasse vislumbrar o que poderia
acontecer na partida se, em vez de 1 a 0 pro Cruzeiro, um erro de arbitragem
botasse no placar, com São Januário inflamado, 1 a 0 pro Vasco.
Com a
eliminação veio o caos esperado, com direito a renúncia coletiva de diretoria
botando ainda mais lenha na guerra interna, eterna, do Vasco. Denúncias contra
o presidente, torcida organizada invadindo São Januário, ameaças a jogadores
combinadas com atrasos de salário e no jogo seguinte, contra o América Mineiro
no Caldeirão esvaziado, o time fez o melhor segundo tempo da temporada e, de
virada, em respeito à nossa história conseguiu o simbolismo nada desprezável de,
logo depois de levar, vencer de quatro, no mesmo gramado, com grande atuação de
Ríos, de Caio Monteiro, de Paulão, até de Kelvin e, principalmente, de Bruno
Cosendey.
Depois veio
o carma do Vitória e do André Lima, juntos, e Desábato errou feio, e Werley fez
contra sem juiz nem bandeirinha, nem assistente de linha, nem repórter nem
especialista, sem ninguém ter notado que a curva da batida do escanteio fez a
bola sair, e muito, pela linha de fundo. O Vasco perdeu em casa quando, com uma
vitória simples, assumiria a liderança do campeonato, e com um jogo a menos. E
a derrota, somada a outra pela Copa do Brasil, diante do Bahia, mantinha o
clima tenso, difícil, afirmavam todos os especialistas, muito difícil para o
Vasco o jogo seguinte contra o ultra-mega-superfavorito, o multimilionário
Flamengo.
Em campo,
porém, o que se viu foi o Vasco combalido, à beira do falido, dominar as ações
no primeiro tempo, no qual os rubro-negros abriram a contagem com o tradicional
erro de arbitragem a favor deles. Diego, impedido, participou da armação para o
chute de Everton Ribeiro, de longe, que Martin Silva rebateu mal, nos pés da
joia superfaturada da Gávea. Logo depois Diego deu carrinho por trás em Tiago
Galhardo, pegou na bola e na sequência, com a bunda, imprensou o pé do
adversário, torcendo o tornozelo do meia vascaíno. O juiz não deu nem falta,
enquanto o narrador falava em desarme certeiro.
Ao som da
mulambada animada, vibrando com o gol irregular que lhes garantia a vitória e a
manutenção da liderança, o narrador dizia, sem conter a empolgação, que a
torcida do Flamengo não parava de cantar, mas disse isso na hora em que Pikachu
bateu o escanteio para Andrés Ríos cabecear pra trás, na mais antiga das
jogadas ensaiadas. Wagner estufou a rede num peixinho cinematográfico e a
torcida do Flamengo, no ato, parou de cantar.
Tiago
Galhardo já tinha chutado fraco, em cima do goleiro deles, já tinha mandado pro
gol até de bicicleta, e Wagner também pegou cruzamento de primeira, obrigando
Diego Alves a boa defesa, quando acabou o primeiro tempo. No segundo, o jogo
foi morno, com o time das cores de Exu um pouquinho melhor até Martin Silva
compensar a falha no gol com impedimento, pegando o arremate cara a cara do
jovem Lincoln. No contra-ataque, Pikachu foi travado na hora do gol da virada e
depois veio a briga que começou com Everton Ribeiro dando chutinho no Riascos,
embaixo, e depois de empurrado, caindo, com as mãos no rostinho como se
estivesse chorando, tadinho.
O juiz deu
mais três minutos inexplicáveis, nos quais deixou de dar duas faltas claras em
Kelvin, outra em Pikachu, em contra-ataques do Vasco. Do outro lado do
meio-campo, qualquer sopro que gerasse a queda de um rubro-negro era bola
parada, na área, contra o Vasco, isso com narrador e comentarista considerando
tudo dentro da normalidade. Com o jogo terminado, com o Galo Mineiro de 1981 e
de 2013 assumindo a liderança, com a vitória do Vasco impedida por um erro de
arbitragem, por mais um gol ilegal do lado de sempre no clássico, o pessoal do
Flamengo, muy malandramente, como sói acontecer, resolveu, vejam só, reclamar
da arbitragem, a sério, e não foram ridicularizados por isso por ninguém na
mídia especializada a não ser um ídolo da história deles.
Beneficiado
por mais uma entre tantas faltas inexistentes, essa no minuto final da final em
que o queridinho teve ainda um pênalti de presente pra conseguir o placar que
precisava, na bancada do programa ao vivo Petkovic riu quando ouviu as
reclamações da diretoria da Gávea. Mas o gol do Flamengo teve impedimento,
disse ele, na hora, mas só ele, ao que parece, se deu ao trabalho de repetir o
óbvio, porque os outros lá, e mais tantos em tantas emissoras, a maioria levou
mesmo a sério as reclamações dos flamenguistas, alguns até corroborando.
O fato é
que o Vasco voltava a ter uma boa atuação, dominando o time dito muito melhor
que o dele e só não ganhando graças ao juiz, a três dias da despedida da
Libertadores. Veio então, como se não bastasse, mais uma confusão, provocada
pela ingenuidade de uns poucos jogadores, pela imbecilidade coletiva dos
torcedores raivosos das redes sociais, que já vaiaram Alan Kardec, Alex
Teixeira e Philippe Coutinho, já vaiaram Mateus Vital e agora vaiam Evander, e
pelas trapalhadas de uma diretoria que acredita na mídia especializada, que
abaixa a cabeça pra fakes e robôs da internet.
Tudo
contra, tudo conturbado, assim chegou o Vasco para o duelo final, no gramado
sagrado do Estádio Nacional de Santiago, o mesmo, exatamente o mesmo no qual
foram disputados todos os jogos do Campeonato Sulamericano de Clubes Campeões,
de 14 de fevereiro a 14 de março de 1948. E narrando a partida o locutor a todo
momento exaltava a grandeza do Vasco. Falava da história, enumerava títulos,
tetracampeão brasileiro, campeão da Libertadores, mas em nenhum momento, nas
mais de duas horas de transmissão, em nenhum momento ele falou do Sulamericano
de 48, mesmo com o jogo sendo disputado no mesmo lugar do primeiro campeonato
continental de clubes da história, exatos setenta anos depois, nem com o gancho
da data redonda o narrador que exaltava a história do Vasco falou sequer do
Expresso da Vitória, assim como todas as outras emissoras, todos os sites e
jornais esportivos também não falaram, nem antes, nem durante, nem depois do
jogo, o que nos leva à pergunta inevitável, que qualquer criança faria diante
desse fato: por quê?
Tivesse
sido o Flamengo o campeão do Sulamericano de 48, tivesse o rubro-negro jogado
contra um time chileno no mesmo estádio do campeonato, 70 anos depois, exatos,
e o narrador lembraria de 15 em 15 minutos, no mínimo, que ali, naquele gramado
sagrado, o queridinho tinha sido o primeiro campeão continental da história.
Mas este campeão, pra todo o sempre, foi e é o Vasco, e o fato de ter
acontecido o jogo de terça-feira no Estádio Nacional de Santiago, e de o
Sulamericano de 48 não ter sido lembrado por especialista algum mostra o quanto
cala fundo, na nossa mídia especializada, a realidade cabal e inquestionável,
imutável, de que o Vasco é o primeiro campeão continental da história do
futebol.
A Conmebol
já reconheceu o título de 48 oficialmente, já o equiparou à Liberta ao incluir
o Vasco na Supercopa dos Campeões da Libertadores de 1997, mas ainda há
especialista que prefere fingir que não houve reconhecimento. E na ginástica pra
reforçar esse esquecimento, simplesmente não falam do campeonato, ignoram os
mais evidentes motivos, jornalísticos principalmente, pra tentar incluir o
Sulamericano de 48 na mesma vala de Copas Rio, Copas Kirim e tantos outros
torneios amistosos internacionais.
Então o
narrador exalta a história do Vasco sem falar da principal conquista dessa
história, e faz isso narrando um jogo no mesmo estádio dessa conquista. Exalta
a história do Vasco, mas seguindo certos limites, e também lembrando a todo
momento que hoje o time não é mais aquele, que o Vasco está mal, cheio de
dívidas, que o time é limitado etc e tal. Assim a mídia especializada exalta o
Vasco, escondendo títulos, ignorando ganchos jornalísticos, lembrando sempre que o momento do clube é ruim, que o time, na opinião dela, é
fraco.
Pra sorte
do Vasco, se existe a mídia torcendo contra, diminuindo nossos feitos, existem
também, mais fortes que ela, os deuses da Bola. O empate contra o Cruzeiro no
Mineirão, quando nossos adversários que há 20 anos quebraram Pedrinho,
quebraram dessa vez Paulinho, e outro empate improvável, contra o Racing, com
uma a menos, quando fomos ajudados pelos fantasmas de São Januário, como mostra
o post abaixo, essas duas boas atuações em meio ao resto nada agradável proporcionaram
a chance de chegar à última rodada brigando por algo, no caso, a vaga na Copa
Sulamericana. E aí entraram em campo, mais uma vez a nosso favor, os deuses da
Bola.
Bruno Silva
foi Danilo Alvim, misturado com Augusto, Lelé, Jorge e Friaça. Wagner passou a
Ríos com a precisão de Maneca, Ipojucã ou Chico, e Ríos chutou com a força de
Ademir, de Ismael ou de Dimas no primeiro gol de nossa vitória única na fase de
grupos. Depois, ungido por Barbosa, Martin Silva primeiro segurou firme a bola
atrasada no balão, na estourada de Rafael Galhardo, e em seguida deu o chutão
certeiro, que encontrou o baixinho Pikachu, que igualou Eli em tamanho pra
fazer de cabeça o gol da classificação, no gramado sagrado, histórico, legendário do Estádio Nacional de Santiago, no Chile.
O Vasco
castigado, roubado, tumultuado poderia terminar a Libertadores como a pior
campanha de um brasileiro na história, igualando o desempenho do Bangu de 1985.
Em vez disso, escapou da lanterna de seu grupo garantindo a classificação para
a Sulamericana um ano depois de um tal Flamengo ter sido vice, o que não deixa
de ser um bom sinal. Desfalcado, desacreditado, diminuído até quando é
supostamente exaltado, o Vasco segue seu rumo em competições internacionais
neste ano em que celebramos o septuagenário do Sulamericano, junto com os 20
anos da Libertadores.
Sigamos,
pois.