Foto: Vasco
O ódio bombado por fake news coloca hoje o país à beira do fascismo, e quando uma das piores facetas desse ódio, o racismo, irrompe aos berros da torcida de um clube com a nossa história, quando um jogador negro do Vasco, vestindo a camisa em homenagem ao time de negros e pobres que venceu o preconceito, popularizou de vez o futebol e conquistou nosso primeiro campeonato, em 1923, contra os brancos de Fla, Flu, Botafogo etc...(e um ou outro mulato disfarçado com pó-de-arroz), quando este jogador negro é a bola da vez e o racismo se manifesta de novo, velada e disfarçadamente (como sói acontecer neste Brasil varonil), no estádio sagrado onde atuaram Jaguaré, Fausto, Barbosa, Eli, Domingos da Guia e Leônidas da Silva, entre outros tantos negros craques da Bola, isso é muito, muito mais triste.
Fabrício é
a bola da vez da torcida do Vasco, como este ano já foi Paulão, já foi Erazo. Paulão
fez o gol que basicamente garantiu a vaga na Libertadores, na vitória
fundamental contra o Cruzeiro, em pleno Mineirão, no fim do ano passado. Na
Liberta, no mesmo Mineirão, contra o mesmo time, teve atuação excelente ao lado
de Erazo, garantindo o zero a zero que poderia ter sido vitória se o Cruzeiro,
vinte anos depois de quebrar Pedrinho, não quebrasse também Paulinho. Paulão
fez ainda o gol que abriu a goleada contra o Jorge Wilstermann, de carrinho, na
raça, mas nunca deixou de estar entre os mais vaiados, mais até que Erazo e
muito antes da foto na qual os dois estavam, eles, Evander, Rafael Galhardo, o
goleiro Gabriel e Fabrício. Paulão e Erazo já saíram do Vasco e agora, pra
parte da torcida que se faz ouvir mais alto em São Januário, a bola da vez é
Fabrício.
Fabrício é
o autor do gol que provocou a maior vibração da temporada, até agora, pra
torcida do Vasco, e eu estava lá, naquelas cadeirinhas fru-fru dobráveis,
acolchoadinhas, no lugar da inesquecível arquibancada de concreto do Maraca. O
time sendo eliminado, abrindo o placar com Giovanni Augusto, tomando a virada
do Fluminense e empatando, com um gol de placa de Paulinho, e em todo o tempo a
torcida pegando no pé de Fabrício, vaiando o lateral que não estava mesmo
jogando nada. Até que no último minuto, no derradeiro ataque do Vasco, a bola
quica na frente do cara dentro da área e, mesmo sem ângulo, Fabrício solta a
paulada e estufa a porra da rede. Êxtase completo da vascainada no Maraca,
gritos de guerra machos pra caralho, todo mundo se abraçando, emocionado, e no
aperto da rampa do metrô, na volta, a passo de cágado o sujeito ao lado e mais
dois ou três perto dele, todos vascaínos, ainda criticavam Fabrício, dizendo
que ele era horroroso ou coisa parecida.
Luiz
Gustavo tem raça, sim, é voluntarioso, gosta de se atirar feito um louco na
disputa da bola e foi assim, se atirando, que ele fez o gol contra, de
peixinho, no ângulo, quando o Vasco ganhava de 1 a 0 do Flamengo, que numa
raríssima situação na história do confronto, tinha um a menos. Pois depois de
fazer o gol contra, Luiz Gustavo se atirou de novo, em cima de um jogador do
time dele, caiu com tudo sobre Bruno Silva e quase o deixou inapto pra todo o
sempre a jogar bola. O cara teve de deixar o campo na ambulância que pegou no
tranco e, como o Vasco já tinha feito as três substituições, ficou tudo igual,
dez contra dez.
Luiz
Gustavo não fez gol ainda com a camisa do Vasco, mas não deixou de continuar a
receber todo o incentivo da torcida em São Januário neste domingo. Errou
carrinhos, acertou outros tantos, furou uma bola que quase deu o empate ao
Cruzeiro e tomou um baile de Sassá no segundo tempo, mas não foi vaiado, não,
porque o vaiado foi Fabrício. Jogando a mesma coisa que o resto do time que não
conseguia sair do zero em casa, contra o Cruzeiro, o lateral teve a torcida
pegando no pé dele durante todo o primeiro tempo. “Tira o Fabrício”, gritavam a
social, os camarotes e a arquibancada de São Januário na saída do intervalo.
No
comecinho do segundo tempo, o lateral, hoje meia-atacante, perdeu uma bola no
meio-campo e passou a ouvir o coro que, também num estádio, nossa elite muy
bem-educada, honrada, de bem, dispensou à presidenta da República. “Ei,
Fabrício, vai tomar no cu”, gritava parte da torcida do Vasco um minuto antes
de o lateral-meia-atacante receber na esquerda e, marcado de perto pelo
zagueiro, dominar, virar e cruzar na medida para o corta-luz de Máxi Lopez e a
finalização perfeita do nosso artilheiro, Yago Pikachu. Gol, um a zero Vasco e
o time todo, que tinha pedido ao técnico pra manter Fabrício, que voltou para o
segundo tempo de mãos dadas, o time foi abraçar o autor do cruzamento, ou
assistência, apontando ele pra torcida, pedindo aplausos e, sim, Fabrício foi
substituído e saiu de campo aplaudido.
Mas não
tenha dúvidas, caro vascaíno consciente, não tenha a menor dúvida de que no
próximo jogo difícil, aquele em que nada estiver dando certo, com o time
empatando em casa ou perdendo, jogando mal todo ele, o sujeito mais vaiado não será
Luiz Gustavo. Será, de novo, Fabrício, e mesmo que na transmissão do jogo, ao
vivo, ninguém, nem locutor, nem repórter nem comentarista, fale nada a
respeito, isso tem nome. É racismo. Luiz Gustavo é branco, careca e barbudo,
com um visual meio skinhead, digamos, enquanto Fabrício, como Paulão e Erazo, é
negro.
Na
transmissão ao vivo, na tevê, o locutor ainda lembrou que Luiz Gustavo fez gol
contra exatamente contra o maior rival do Vasco e, mesmo assim, continua com o
apoio da torcida, mas o narrador não fez o paralelo com Fabrício, talvez porque
o patrão-mor dele, o número um do jornalismo da emissora, tenha escrito um
livro em torno da tese de que neste nosso país maravilhoso, minha gente, não existe
racismo. Pois existe, claro, e a diferença entre o tratamento dispensado ao
jogador branco que nunca proporcionou nada à torcida além de uma ou outra
desarmada correta, fora os carrinhos e pulos de caratê a esmo, e ao jogador
negro que já fez até gol histórico, no último minuto, é uma das tantas provas,
só no Vasco, disso.
Outra prova
foi Cristóvão Borges, treinador até hoje com o melhor desempenho no Vasco na
era dos pontos corridos, recordista de permanência na zona de classificação
para a Libertadores, que disputou até a última rodada o título brasileiro de
2011 e disputava o de 2012, até meados do returno, quando seu time foi desmontado ao longo do
campeonato pela diretoria, e mesmo assim era xingado, chamado dos piores nomes
possíveis. E quando voltou ao clube, no início de 2017, Cristóvão foi xingado desde
o início do trabalho com muito mais ódio. “Olha lá, parece um porteiro, não pode
ser técnico do Vasco”, cheguei a ouvir, atrás de mim, na social do Vasco, essa
e outras frases mais que preconceituosas, ditas com raiva, com desprezo maior
que o destinado, por exemplo, a Celso Roth ou Milton Mendes.
E o que
dizer dos três goleiros nada confiáveis do nosso segundo rebaixamento, em 2013?
Entre Michel Alves, Alessandro e Diogo Silva, o menos ruim foi Diogo, que teve
pelo menos duas grandes atuações ajudando a garantir seis pontos, nas vitórias
sobre o Coritiba fora de casa, no Couto Pereira, e sobre o Fluminense, num jogo
em Santa Catarina, as duas por 1 a 0. Mas, como seus colegas brancos, Diogo também
cometeu suas falhas, tomou seus frangos e como foi muito mais xingado pela
torcida do que os outros dois, acabou sendo preterido por Alessandro, escolhido
pra ser o titular na reta final da temporada e que falhou bisonhamente quando o
time vencia a Ponte Preta fora de casa e tomou a virada, perdendo os três
pontos que livrariam a equipe da queda.
Ninguém na
mídia, na tevê, no rádio, na internet em jornal ou revista, ninguém falou em
racismo nem contra Cristóvão nem contra Diogo Silva nem contra Paulão nem agora,
contra Fabrício. Nenhum deles foi xingado de macaco, de preto safado, nenhum
recebeu bananas jogadas da torcida, então não é racismo, dizem muitos por aí, mas
é, claro que é e cada vez mais, porque a questão transcende o Vasco, é muito
mais abrangente, envolve o avanço da intolerância em todo o planeta. O ódio bombado
por fake news coloca hoje o país à beira do fascismo, e quando uma das piores
facetas desse ódio, o racismo, irrompe aos berros da torcida de um clube com a nossa
história, quando um jogador negro do Vasco, vestindo a camisa em homenagem ao
time de negros e pobres que venceu o preconceito, popularizou de vez o futebol
e conquistou nosso primeiro campeonato, em 1923, contra os brancos de Fla, Flu,
Botafogo etc...(e um ou outro mulato disfarçado com pó-de-arroz), quando este
jogador negro é a bola da vez e o racismo se manifesta de novo, velada e disfarçadamente
(como sói acontecer neste Brasil varonil), no estádio sagrado onde atuaram
Jaguaré, Fausto, Barbosa, Eli, Domingos da Guia e Leônidas da Silva, entre
outros tantos negros craques da Bola, isso é muito, muito mais triste.