Coutinho é a negação do individualismo, a escolha inconteste, em cada jogada, pelo coletivo, pelo objetivo final de todo um time, sem ligar pra metas ou prêmios pessoais. E os especialistas todos aprovam seu comportamento, elogiam, mas não associam, nunca, com o colégio do clube, dentro do estádio, e se forem falar da formação de nosso craque na Copa, tecerão loas à beleza de cenário da Mangueira, ao Sei lá o quê do Rocha, a qualquer clube de bairro, colônia de férias, creche ou escola de samba, qualquer coisa que não seja o Vasco.
Leônidas da
Silva, quando fez o único gol da Seleção Brasileira no Mundial de 1934, jogava
no Vasco, e a relação do clube com as Copas tinha começado ainda antes, logo na
primeira delas. Brilhante e Itália, a zaga titular do Brasil em 1930, era toda
do Vasco, que tinha ainda o craque da Seleção: um meio-campista chamado Fausto;
e mais Russinho, cantado em samba de Noel, na frente. Mas foi mesmo em 1950 que
o tal do Vasco da Gama talhou seu nome para todo o sempre na pedra da história
da Copa do Mundo. Ademir de Menezes, o Queixada, foi o artilheiro do torneio
com oito ou, mais justo, nove gols, marca até hoje nunca superada por qualquer
outro artilheiro brasileiro numa edição só da Copa.
Cinco dos
seis titulares da Seleção Brasileira na final de 50 eram do Vasco, que tinha
ainda naquele elenco, entre outros, Eli e Maneca, que fez o sexto, de
bate-pronto, nos 7 a 1 sobre a Suécia no Maraca lotado, no quadrangular
decisivo. Sim, o Brasil tem um 7 a 1 a favor em fase final de Copa e quatro
gols foram do Ademir, outros dois foram do Chico e, sim, todos eles eram do
Vasco. Sete gols de um mesmo clube num jogo decisivo de Copa do Mundo e não é o
Real Madrid que tem isso, nem o Barça, nem o Bayern de Munique, nem o
Manchester United, nem o Ajax de Cruyff, nem o River nem o Boca nem o Peñarol
nem o Nacional, nem o Milan, nem a Inter nem a Velha Senhora, nem o Los Angeles
Galaxy nem qualquer outro time galáctico da porra a não ser esse tal de Vasco.
Mas se o
negócio não era tão escancarado, sem noção do ridículo, como hoje, naquela
época a imprensa patrícia também não tinha assim muito apreço, nem simpatia,
muito menos afeição pelo Vasco, então não podia uma seleção inteira com
jogadores do time da Colina, tinha que ter de outros times. E da mesma
forma que fez lobby por Julio César no gol, inquestionável em 2010 e 2014, a
mídia de 50 deve ter feito sua parte pra que a Seleção da primeira Copa
disputada em casa, no Maracanã recém inaugurado, não tivesse, em vez de cinco,
oito ou nove titulares do Expresso da Vitória, do time que faria do Vasco não
só o primeiro clube campeão do Maraca, mas o primeiro campeão continental da
história.
Então nem
Eli, nem Wilson nem Jorge foram titulares, e o lado esquerdo de nossa defesa,
por onde Gigghia deitou e rolou, nos dois gols, este setor de nossa linha
defensiva era formado por Juvenal, do Flamengo, e Bigode, que se revezou na
carreira entre o Fla e o Fluminense. Por ali Gigghia fez o que quis no gol do
empate uruguaio, até cruzar pra Schiaffino. No segundo, arrancou livre, leve e
solto desde quase o meio-campo, sem que Bigode ou Juvenal, que deveriam estar
ali para impedi-lo, sejam vistos no lance repetido ad eternum, o atacante
uruguaio correndo, dando duzentas e trinta e oito passadas sem marcação até
chegar na quina da pequena área e bicar com toda a força a bola, cara a cara
com Barbosa, que levou toda a culpa por ser negro e, mais que isso, por ser do
Vasco.
E se Brilhante
e Itália formaram a dupla de zaga original, titular, de todas as Copas, a primeira
bequância campeã mundial com a Seleção também foi toda desse tal de Vasco.
Bellini e Orlando, este craque de bola, no estilo Mauro Galvão, aquele capitão,
capitão também do Club de Regatas Vasco da Gama no momento em que virou estátua,
ao erguer pela primeira vez na história a Jules Rimet, no mesmo ano em que foi
supersupercampeão carioca e ergueu ainda a taça do Torneio Rio-São Paulo, nosso
primeiro título regional, com Barbosa voltando ao time em fim de carreira, pra
fechar o gol na final contra a Portuguesa.
E Vavá,
autor de quatro gols na campanha de 58, dois deles na final, também era vascaíno,
ele que no ano anterior deixou o dele na final do Torneio de Paris, primeiro
título do futebol de qualquer outro continente em solo europeu, a origem, na
prática, da Copa Intercontinental, dita Mundial de Clubes, conquistado pelo
campeão sulamericano de 48, único até então, no primeiro 4 a 3 inesquecível de
nossa história, sobre o então bicampeão europeu, dali a três anos penta e,
hoje, dono de 13 Champions, o Real Madrid. Orlando também estava nesta partida
lendária e, aliás, como mostra a foto, comeu a bola.
Criado no
nobilíssimo América de Pernambuco, com passagens pelo famoso Íbis e pelo Sport
Recife antes do Vasco, onde mais jogou na carreira, Vavá já tinha passado pelo
Atlético de Madri e estava no Palmeiras em 1962, quando se tornou o primeiro
brasileiro a marcar gols em duas finais de Copa, feito que só seria igualado
por um certo Pelé. No bi da Seleção, Bellini era reserva e jogava no São Paulo.
E se Brito, xerife de 70, e Fontana, reserva de Piazza naquela Copa, formaram
uma das nossas mais famosas duplas de zaga, reconhecidos muito mais como
jogadores do Vasco do que de qualquer outro time, na campanha do Tri Mundial o
primeiro atuava pelo Flamengo e o segundo, pelo Cruzeiro. Mas no Tetra estava lá, de volta, o jogador cruzmaltino no elenco, no caso Ricardo Rocha,
honrando a tradição de nossos zagueiros na Seleção.
Como mostra
o primeiro link desse texto, lá em cima, sobre o Ademir, o Vasco também é o
time com maior número de artilheiros da Seleção numa só Copa, dois deles
juntos, Dirceu e Roberto Dinamite, cada qual com três gols em 78, além do
próprio Queixada em 50, do Leônidas com nosso tento único de 34 e de Pinga, com
seus dois gols em 54, que o deixaram como artilheiro brasileiro ao lado de
Didi, do Fluminense, e de Julinho, da Portuguesa de Desportos. E voltando a 94,
ao Tetra no Mundial depois do maior jejum nacional, não há como não lembrar
Dunga, Jorginho, Bebeto e Viola, que fizeram história antes ou depois de ganhar
a Copa, no Vasco.
No Penta, em 2002, havia Luizão e Junino Paulista,
reservas, jogando sei lá em qual clube, por isso o mais vascaíno dos títulos
brasileiros vistos em vida por este aqui que vos escreve é, sem sombra de
dúvida, o Tetra, menos pelos quatro caras citados acima e mais, muito mais por
outros dois que, além de titulares, eram crias de nossa base: Mazinho e
Romário. E a mesma base de onde surgiu Romário e Mazinho, formou Philippe
Coutinho, embora a nossa brava mídia brasileira afirme de todas as formas que o
craque da Seleção até aqui na Copa começou na Mangueira ou no Sei lá o que do
Rocha, em qualquer lugar, menos no Vasco.
Coutinho
resolveu na nervosa estreia contra a Suíça, com o gol considerado pela Fifa o
mais bonito da primeira fase, e se apresentou de novo pra resolver tudo quando
a coisa apertou, contra a Costa Rica. Em São Januário, ele chegou aos seis anos
de idade e logo passou a ser tratado como jóia. Fez todo o ensino fundamental e
médio no Colégio Vasco da Gama, dentro do nosso estádio, o mesmo onde se
formaram Allan Kardec, Souza, Paulinho e Alex Teixeira, todos com o mesmo
comportamento centrado, sem marketing excessivo muito menos exibicionismo, nem
cai-cai nem penteado ridículo, alourado.
Philippe
Coutinho sempre foi tratado como joia, sim, pela nossa mídia, mas nunca no
mesmo nível nem de Alexandre Pato, quanto mais de Neymar. E no dia 27 de julho
de 2008, Coutinho enfrentou Neymar na final da Copa do Brasil Sub 17, Vasco e
Santos. Neymar fez o único gol do Peixe e Coutinho passou em branco, mas foi
considerado o melhor em campo. O Vasco dele, nosso, foi campeão da Copa do Brasil Sub 17. Venceu por 2 a
1.
Coutinho é a
negação do individualismo, a escolha inconteste, em cada jogada, pelo coletivo,
pelo objetivo final de todo um time, sem ligar pra metas ou prêmios pessoais. E
os especialistas todos aprovam seu comportamento, elogiam, mas não associam,
nunca, com o colégio do clube, dentro do estádio, e se forem falar da formação
de nosso craque na Copa, tecerão loas à beleza de cenário da Mangueira, ao Sei
lá o quê do Rocha, a qualquer clube de bairro, colônia de férias, creche ou
escola de samba, qualquer coisa que não seja o Vasco.