sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Doutrinando otários, fazendo deles bovinos


Mais de oito mil invadindo o estádio sem ingresso, nas ruas idosos caindo, crianças chorando, atropelamento, saque, roubo e pancadaria generalizada, tudo ao mesmo tempo e na tevê os apresentadores, repórteres e comentaristas não pediam punição imediata, não, nem se mostravam indignados contra um clube específico, nem contra um dirigente, muito menos contra um estádio. Concordavam todos, isto sim, que aquelas cenas lamentáveis, envolvendo milhares de pessoas com a camisa de um mesmo time, eram um problema grave, mas de toda a sociedade.

Passada a onda do cheirinho, sem mais possibilidades de título para o queridinho no campeonato, a mídia viu no fim do ano passado a chance de uma felicidade ainda maior, com o possível não acesso do Vasco. Só que não. A mídia então entrou 2017 enfatizando sempre que podia, com números, tentando até ironia, a diferença abissal que havia no momento entre o queridinho dela lá em cima, favorito a todos os títulos, inclusive Libertadores, e o Vasco, que lutaria única e exclusivamente, o ano todo, pra não ser rebaixado.

Não importava muito que ali, no comecinho de 2017, o Vasco estivesse há nove jogos sem perder para o rival, com seis vitórias e três empates, tendo eliminado o queridinho da mídia em dois mata-matas num mesmo ano, no Carioca e na Copa do Brasil. Não, nada disso importava e passou a importar menos ainda depois do fim do jejum do Flamengo contra o rival mais odiado, logo antes do carnaval, na semifinal da Taça Guanabara, numa vitória que, pro lado deles, na história do confronto, pode ser considerada clássica: um a zero com gol de pênalti duvidoso, maroto.

Mas não pra mídia, claro, que além de ratificar, garantir a nitidez do pênalti maroto, inovou na final da Taça, na primeira mostra dada pelo queridinho no ano de que mesmo com o supertime de supercraques superfavoritos a tudo, sem a ajudinha extra de sempre, não dava. Tendo ao fundo a imagem dos jogadores do Fluminense comemorando a vitória nos pênaltis, a emissora detentora de todos os direitos de transmissão, de todos os campeonatos à base, diz o FBI, de muita propina, não exibiu o escudo do time com a inscrição esperada, de campeão, não. Em vez disso exibiu na tela a lista de todos os campeões da Taça, por ordem de número de títulos, que mostrava em primeiro, em cima, altaneiro, o time que acabava de ser vice pela primeira vez no ano, no caso, o Flamengo.

A eliminação diante do Vasco na semifinal da Taça Rio, em meio à Libertadores, foi considerada quase benéfica para o queridinho, ainda mais com o 0 a 0, sem derrota. E na final ainda mais desvalorizada pelo absurdo do regulamento, com a vitória cruzmaltina sobre o Botafogo dentro da casa deles, nem antes nem depois de Luis Fabiano, tendo desencantado fazendo o gol do título, erguer o troféu, em nenhum momento a emissora investigada exibiu a lista de todos os campeões da Taça, que mostraria em primeiro, no alto, o Vasco, e em segundo, o Flamengo.

E na final do campeonato, depois de ter quase ignorado a simulação de um árbitro, assunto no mundo inteiro, pra gritar sobre um pênalti que nada valia, a mídia fez vista grossa a outro daqueles fatos inacreditáveis que só acontecem com o Flamengo. Com a vitória de 1 a 0 do Fluminense, o jogo se encaminhava pra decisão por pênaltis quando, lá pelos quarenta do segundo tempo, Réver subiu fazendo falta escandalosa no adversário, pra cabecear a bola que redundou no gol de Guerrero. O juiz não só não marcou nada, como vibrou com o gol ilegal validado por ele, cerrando e balançando o punho rapidinho no calor do momento, sem conseguir se conter com a bola estufando a rede.

Enquanto isso, sem dar a menor importância aos sentimentos indisfarçáveis do árbitro, a mídia comemorava, repetia confiante, feliz, o que já havia feito seis, sete vezes antes de eliminações quase todas vexaminosas de seu queridinho na Libertadores. E de novo não deu outra. Gol do San Lorenzo no último minuto, gol de Casalbé pro Furacão no solo sagrado do Chile, e o Flamengo estava eliminado na fase de grupos do torneio pela terceira vez seguida, a quinta no total, recordista absoluto, entre os brasileiros, neste quesito.

Nisso o jornal com o mesmo nome da emissora suspeita de corrupção, sonegação e otras cositas más já tinha publicado o guia do Campeonato Brasileiro, iniciado havia menos de duas semanas. E além das previsões alvissareiras, de favoritismo absoluto para o seu queridinho, o guia do jornal falava também até em título e disputa lá em cima, mirando a Libertadores, pelo menos nos subtítulos das páginas destinadas ao Botafogo e ao Fluminense. Quanto ao Vasco, só se falava de briga contra nova queda, de dificuldades à vista, muitas, de rebaixamento.

Por si só histórica, tal edição do guia do jornal movido a passaralhos tem ainda uma sutil alteração em relação às de campeonatos anteriores, pero muy significativa. Como se sabe, pela milionésima vez a Justiça decidiu que um time que correu da decisão não pode ser declarado campeão só porque a imprensa diz isso. Depois de pleitear o título só pra ele esgotando todos os recursos, o queridinho da mídia perdeu o último recurso pra pleitear a divisão do título. A não ser que o clube peça agora à Justiça assim, na boa, pelo menos um terço do campeonato, só pra dizer por aí que é hexa, sabe cumé..., se isso não acontecer, acabou, finito.

Terminou a contenda na Justiça e sumiu, assim, o asterisco na lista de campeões nacionais publicada anualmente no guia. Não há mais a explicação em letra miúda, lá embaixo, sobre o motivo de num ano haver dois campeões assinalados, mas a lista continua com os dois campeões de sempre, o queridinho ainda hexa por birra, desejo irrefreável ou demagogia, e danem-se os fatos, a fuga do quadrangular final, a Justiça.

O asterisco agora aparece em outra lista, a dos campeões sulamericanos, ou da Libertadores, como prefere colocar a mídia em geral, inclusive o citado jornal, que se apega à nomenclatura diversa dos torneios (como se o Brasileirão já não tivesse sido João Havelange, Taça de Prata, Ouro, Copa Brasil ou Robertão) e à ordem alfabética pra manter o Flamengo acima do Vasco, cada qual com um título. E embaixo, ele, o asterisco, a avisar em letra pequenininha que o Vasco foi campeão dos campeões sulamericanos em 1948.

Em 1996, a Conmebol reconheceu oficialmente o campeonato sulamericano de 48 do Vasco e como mostra cabal de que o nível do título não ficava um milímetro abaixo da principal competição do continente (historicamente, como primeiro campeonato continental da história, 48 vale mais que qualquer Champions League da vida), incluiu o clube entre os participantes da Supercopa dos Campeões da Libertadores, um ano antes de o Vasco conquistar também a Taça e com ela o bicampeonato continental, sem ajuda do juiz, ganhando de argentino e no ano do Centenário.

O curioso é que, ao contrário do asterisco da lista dos campeões brasileiros, referente a 87, que sempre transformou o três do Flamengo em quatro, depois o quatro em cinco e por fim o cinco em seis, o asterisco de 48 não transforma o 1 do Vasco na lista de campeões continentais em 2. Imagina, botar o queridinho embaixo, o desavisado que fizesse isso certamente estaria sujeito a broncas do editor ou até quem sabe, já que por lá se manda tanta gente embora, a toda hora, a uma demissão, quiçá por justa causa.

Mas falávamos do guia, sobre o Vasco lutando só pra não ser rebaixado, e como mostra o texto anterior publicado aqui neste blog, as previsões sombrias do jornal começaram a se tornar furadas cedo, na primeira metade do primeiro turno do campeonato, com o time com aproveitamento de campeão em casa, arrecadando, enchendo São Januário homenageado na camisa, pelos seus noventa anos. Aí veio o jogo contra o queridinho da mídia e o atentado ao nosso caldeirão, com a mídia indignada, fazendo cara de raiva não pra quem incitou a violência nas redes sociais, com objetivos eleitoreiros, muito menos para o policial que postou nas mesmas redes a foto dele com a camisa do Flamengo, ao lado do vídeo dele se divertindo a valer no gramado de São Januário, deixando o pau comer solto e dando tiros a esmo no meio da arquibancada lotada.

A revolta dos apresentadores, editores, repórteres e comentaristas, as fisionomias sérias, pedindo punição severa, eram todas destinadas ao Vasco, ou na figura do presidente do clube, ou na de seu estádio, cuja segurança era questionada a cada parágrafo do noticiário. Mas mesmo com tudo isso, mesmo sem torcida, sem estádio, sem pênalti marcado o Vasco com Martin Silva no gol e Anderson Martins na zaga voltou a brigar pela vaga na Libertadores, estilhaçando de vez, já na primeira metade do returno, as bolas de cristal que só viam rebaixamento.

Os mesmos especialistas que previam antes pro Vasco a luta ferrenha contra a queda passaram a dizer que só com G9 o time chegaria a Libertadores, e alguns deles criticavam abertamente o excesso de vagas pra principal competição do continente, como se a Conmebol estivesse deixando entrar qualquer um. Um deles, ao vivo, citou por duas ou três vezes, no mínimo, na reta final e depois de terminado o campeonato, o aproveitamento de menos de 50% do Vasco como exemplo da tal banalização do torneio.

O Vasco tem menos de 50% de aproveitamento e está na Pré-Libertadores, dizia o especialista, e nas três ou quatro vezes em que disse isso o jornalista não lembrou que com aproveitamento idêntico, e isso somente graças a mais um pênalti estranho, no último minuto, aliás parecido com aquele cometido por Everton Ribeiro em São Januário, obviamente não marcado, com o mesmo número de pontos e de vitórias que o Vasco, o Flamengo não está na Pré-Libertadores, mas na fase de grupos.

Vice-campeão da Copa do Brasil profissional e da Copa do Brasil sub 20 no mesmo ano, o queridinho da mídia favorito a todos os títulos terminava o campeonato com a mesma pontuação do futuro virtual rebaixado, e os jogadores rubro-negros se abraçavam, comemorando efusivamente o pênalti caído do céu, estranho, muito estranho, que lhes garantia o sexto lugar e a calma necessária, diziam, pra vencer, enfim, pela primeira vez na história, uma final continental contra um grande clube estrangeiro. Só que não.

O Flamengo perdeu para o Independiente a decisão da Copa Sulamericana e se tornou o maior vice de copas secundárias da América, vice da Supercopa dos Campeões da Libertadores em 93 e 95, vice da Mercosul em 2001 e, agora, vice da Sulamericana, vice de todos os tipos de torneios secundários já inventados no continente, tetra vice, assim como na Copa do Brasil. E na noite da final, no entorno das modernas e semiabandonadas instalações do Novo Maracanã, o que se viu foi a barbárie, algo muito, mas muito além do caos orquestrado no velho e querido São Januário. Mais de oito mil invadindo o estádio sem ingresso, nas ruas idosos caindo, crianças chorando, atropelamento, saque, roubo e pancadaria generalizada, tudo ao mesmo tempo e na tevê os apresentadores, repórteres e comentaristas não pediam punição imediata, não, nem se mostravam indignados contra um clube específico, nem contra um dirigente, muito menos contra um estádio. Concordavam todos, isto sim, que aquelas cenas lamentáveis, envolvendo milhares de pessoas com a camisa de um mesmo time, eram um problema grave, mas de toda a sociedade.

Quanto ao Vasco, depois de prever rebaixamento e ver o time conquistar uma impensável, pra ela, vaga na Libertadores, a mídia não exaltou o feito conquistado com São Januário em sua melhor forma após a punição, abarrotado, feito extraordinário segundo os próprios prognósticos dela. Em vez disso tem preferido concentrar o noticiário sobre o clube na política, a mostrar o quanto será difícil, muito difícil a trajetória do time em torneio tão complicado, em meio ao imbróglio eleitoral que jamais poderia prosperar sem a ajuda providencial dela, a mídia.

E se existe mesmo alguém que sinceramente torça para o Vasco e não está feliz com o ano terminado, com essa campanha desde já histórica, por todos os obstáculos criados, por todas as previsões furadas, pelos pênaltis não marcados; se vascaínos de fato preferem seguir a pauta da mídia e acham que tá tudo errado com o time de volta à Libertadores com Martin Silva no gol, Breno e Anderson Martins na zaga, Paulinho prestes a estourar, já tendo decidido muito mais este ano do que a nova joia superfaturada da Gávea, e ainda Evander, Mateus Vital, Guilherme etc, com Nenê de maestro e cia; se tantos e tantos torcedores comentam nas redes, alguns até que não são fakes, preocupados mesmo em tirar o presidente pra botar no lugar o grupo político que deixou o clube insolvente, rebaixado duas vezes, fazendo dessa forma, direitinho, a vontade da mídia anti-vascaína; se há torcedores do Club de Regatas Vasco da Gama que querem o bem do time e ainda assim não perceberam o momento, a iminência de disputar a Libertadores com um bom técnico, uma boa equipe, e iniciando a caminhada, setenta anos depois da primeira conquista, no mesmo Chile; se esse tipo de torcedor prefere reclamar, acreditando na tal da mídia, então, com todo o respeito, só se pode chegar à conclusão de que este sincero vascaíno é um otário, e de otário pra bovino, só falta o mugido.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Sobre bolas de cristal estilhaçadas

Foto: Vasco

Setenta anos depois de 1948, vinte anos depois de 1998, o Vasco estará de volta à Libertadores em 2018. Torcida, jogadores, dirigentes e comissão técnica se abraçaram ao apito final contra a Macaca, num São Januário com recorde de público, mais de 22 mil pessoas celebrando e a mídia, alguns especialistas que previram a luta ferrenha contra o rebaixamento já lançavam ali seus prognósticos, dizendo que o time precisaria de muitos, muitos reforços, que o elenco, pra disputar uma Libertadores, era limitado.


No início, no primeiro minuto do campeonato teve o pênalti marcado contra o Vasco, estreando contra o campeão e fora de casa. Jomar não tocou no adversário, mas narrador, comentarista, repórter, todos concordaram que tinha sido pênalti mesmo, assim como o puxão que Yago Pikachu levou dentro da área uns dez minutos depois, este não marcado e logo esquecido, porque o time levou o segundo, o terceiro e o quarto.  Quatro a zero Palmeiras e toda a mídia esportiva afirmava, em unanimidade rodrigueana: o Vasco vai brigar pra não ser rebaixado.

A declaração do presidente do clube, de que o time iria pras cabeças, virou meme e fez a festa de especialistas, mas não por muito tempo, porque logo na segunda rodada, contra o Bahia, entrou em campo um senhor nonagenário. Homenageado na camisa, pelos 90 anos completados neste 2017, São Januário, lotado, viu a vitória sobre o Tricolor baiano com gols do mesmo Pikachu do pênalti não marcado e de Luis Fabiano, fazendo o seu de número 400.

No jogo seguinte, ainda mais abarrotado, o velho e elegante estádio que, espero, jamais virará arena viu novo gol do Fabuloso, abrindo o placar, depois o festival de pênaltis pro Fluminense virar e então o petardo de Manga Escobar, que em seu jogo de glória com a camisa cruzmaltina deu ainda o passe pra que Nenê, no minuto final, virasse de novo o placar. Êxtase, delírio, loucura em São Januário que, depois da derrota maluca para o futuro campeão, veria ainda o time ganhar do Sport com Fabuloso marcando o primeiro, de novo ele, e o segundo de Douglas Luiz, mais recente joia milionária da base.

Contra o Avaí, Nenê arrancou pela esquerda pra dar o gol da vitória a Pikachu, na pequena área, e no jogo seguinte em São Januário, contra o Atlético Goianiense, o camisa 10 garantiu os três pontos em cobrança perfeita de falta. Em seis jogos, o Vasco conseguia a quinta vitória no gramado inigualável em história do estádio que não é só templo, nem somente caldeirão ou solo sagrado, é tapa na cara. Somado ao primeiro ponto fora, contra o Coritiba, esse desempenho em casa levou o Vasco, na décima primeira rodada, à sexta colocação, dentro da pré-Libertadores.

Então veio o jogo contra o Flamengo em São Januário, mas antes vieram as mensagens nas redes sociais incitando a violência dentro do estádio, e os ensaios de protestos contra o Corinthians e o Avaí. A política de sempre, a divisão criada, incitada e alimentada pela mídia que sempre torceu contra, sempre torcerá, não importa o presidente. Um grupo político quer voltar a presidir o Vasco, o mesmo grupo que em seis anos e meio de administração deixou o clube com dívidas triplicadas, água cortada, ginásio abandonado, alojamentos da base destruídos e duas vezes, como nunca antes deles na história, rebaixado.

Seis anos e meio porque tal grupo político, com o mesmo candidato atual, simplesmente não marcou as eleições no tempo determinado. Protelou o próprio mandato com a ajuda do Judiciário estadual por seis meses e, nesse período, assinou confissões e mais confissões de dívidas milionárias. A mídia soube disso e chegou a divulgar, sim, mas não nos títulos das matérias, porque na mesma entrevista coletiva sobre o estado em que o clube foi deixado, o atual presidente anunciou a candidatura à reeleição. Motivo dado, portanto, pra que a mídia varresse as denúncias pra debaixo do tapete de seus comentários e continuasse a apoiar incondicionalmente o grupo político que deixou o Vasco em tal estado lastimável, pré-falimentar, e que agora, de novo nos tribunais, quer voltar.

Ninguém na mídia achou estranho o comportamento dos policiais militares, que costumam partir pro confronto munidos de cassetetes, escudo e gás de pimenta, distribuindo cacetadas pra debelar logo qualquer confronto na arquibancada, mas não em São Januário. No estádio nonagenário homenageado na camisa, a PM ficou no meio do gramado, olhando e lançando suas bombas, deixando o pau cantar livre na arquibancada e só aumentando o barulho de guerra, de bomba, o terror descrito pelas fisionomias sérias dos apresentadores, não direcionadas à Polícia Militar nem à oposição, claro que não, mas à vítima de tudo aquilo, ao Vasco.

Nenhum jornalista incomodou o autor das mensagens incitando a violência em São Januário, nenhum repórter ou editor sequer se preocupou com o policial que postou nas redes sociais o vídeo dele mesmo se divertindo à beça atirando, do gramado, bombas de efeito moral no meio da arquibancada lotada. Não houve pena ou voz que cogitasse a possibilidade de todo o ocorrido em São Januário naquele Vasco x Flamengo ter sido provocado pelo grupo político que teria sérias dificuldades eleitorais no fim do ano, se o time continuasse daquele jeito e acabasse, imagina só, na Libertadores. 

Não, nem uma suspeita foi levantada contra os aliados enquanto a mídia montava sua tese com a firmeza de um andaime enferrujado, engolindo de um talo, sem pestanejar nem questionar, as denúncias mastigadinhas dos órgãos oficiais. E logo apareceu um promotor parceiro, aliás, um que aparece a toda hora, o mesmo que há dez, onze anos, pediu a destituição da mesma diretoria atual do Vasco por um motivo muito importante, no caso a quantidade de pontos de venda de ingressos. Surgiu esse promotor em cena pedindo de novo a destituição da mesma diretoria, e junto pedindo a interdição de São Januário para todo o sempre, o que nos leva a imaginar qual seria o próximo passo de tão dileto promotor, onipresente nas páginas e telas da imprensa. Pediria ele, por algum motivo tão importante quanto a quantidade certa de pontos de venda de ingresso, pediria ele a demolição do estádio?

O STJD não agasalhou os desejos do promotor, mas impôs pena dura ao Vasco, que primeiro ficou sem seu estádio e empatou com o Santos no Nilton Santos vazio, empatou com o Palmeiras e perdeu do Atlético Paranaense e do Cruzeiro jogando em Volta Redonda. Depois voltou a São Januário vazio pra ganhar do Grêmio com show da torcida do lado de fora, ela que repetiu a dose contra a Chapecoense, no empate com gol espírita que hoje, com a classificação deles pra Liberta e também a nossa, faz todo o sentido.

Nesse tempo difícil o time perdeu também Luis Fabiano, lesionado até o fim do campeonato, e chegou a ficar perto da zona de rebaixamento. Relegada à primeira rodada, e mais nada, a bola de cristal unânime da mídia prevendo a luta contra o descenso esteve a dois, três pontos de voltar a fazer sentido. Os especialistas, com certo ar de alívio, retomavam com força as projeções sombrias para o time, que não vencia há cinco jogos quando Ramon acertou no ângulo pra decretar a segunda das duas vitórias, no turno e no returno, contra o velho freguês das Laranjeiras.

Em seguida veio o show da torcida do lado de fora de São Januário vazio contra o Grêmio, com o gol da vitória de Mateus Vital pra confirmar a ascensão da base vascaína, que se fez presente no momento mais difícil da campanha. Thalles, com um golaço, seu segundo e último no campeonato, teve seu canto do cisne na vitória inédita sobre o Vitória no Barradão, antes de se perder de vez na vida, abandonando um talento nato de goleador pelos prazeres da carne, do “crime”. No mesmo jogo Paulo Vítor fez o terceiro e Guilherme, além da jogada para o gol de Thalles, fez o quarto, sacramentando a única goleada do time, solitária vitória por mais de um gol de diferença em 38 jogos.

Contra o Galo, no Horto, quem brilhou foi Paulinho, que no primeiro gol recebeu bela enfiada de Escudero e no segundo, passe perfeito depois de arrancada fenomenal de Guilherme. E ungido pela sábia simplicidade de Valdir Bigode, Nenê deixou as vaidades de lado pra guiar a garotada na reta final, sendo ele, o veterano de 36 anos, o jogador mais decisivo. Nenê fez o gol da vitória contra o Botafogo, deu as assistências, batendo falta ou escanteio, para os gols de Paulão contra o Cruzeiro, de Breno contra o Vitória e do gol contra do Coritiba, e cobrou com perfeição mais uma falta pra dar a vitória contra o Santos na Vila Belmiro, depois do golaço de empate de Evander.

No jogo final, nosso maestro ainda teve a classe de dispensar o único pênalti marcado para o time em todo o campeonato, porque depois de cinco, seis não assinalados, ali já não precisava, já era tarde. Nenê jogou na trave e deixou os gols da vitória contra a Ponte Preta para o futuro, primeiro pra Paulinho, e depois pra Mateus Vital, ambos com a participação do melhor em campo na última rodada, o mesmo Pikachu do pênalti ignorado contra o Palmeiras, autor do gol inaugural da campanha contra o Bahia, no gramado inigualável em história de São Januário.


Setenta anos depois de 1948, vinte anos depois de 1998, o Vasco estará de volta à Libertadores em 2018. Torcida, jogadores, dirigentes e comissão técnica se abraçaram ao apito final contra a Macaca, num São Januário com recorde de público, mais de 22 mil pessoas celebrando e a mídia, alguns especialistas que previram a luta ferrenha contra o rebaixamento já lançavam ali seus prognósticos, dizendo que o time precisaria de muitos, muitos reforços, que o elenco, pra disputar uma Libertadores, era limitado.

O Vasco, a imprensa e um blog no meio

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