Foto: Vasco
Setenta anos depois de 1948, vinte anos depois de 1998, o Vasco estará de volta à Libertadores em 2018. Torcida, jogadores, dirigentes e comissão técnica se abraçaram ao apito final contra a Macaca, num São Januário com recorde de público, mais de 22 mil pessoas celebrando e a mídia, alguns especialistas que previram a luta ferrenha contra o rebaixamento já lançavam ali seus prognósticos, dizendo que o time precisaria de muitos, muitos reforços, que o elenco, pra disputar uma Libertadores, era limitado.
No início,
no primeiro minuto do campeonato teve o pênalti marcado contra o Vasco,
estreando contra o campeão e fora de casa. Jomar não tocou no adversário, mas narrador,
comentarista, repórter, todos concordaram que tinha sido pênalti mesmo, assim
como o puxão que Yago Pikachu levou dentro da área uns dez minutos depois, este
não marcado e logo esquecido, porque o time levou o segundo, o terceiro e o
quarto. Quatro a zero Palmeiras e toda a
mídia esportiva afirmava, em unanimidade rodrigueana: o Vasco vai brigar pra
não ser rebaixado.
A
declaração do presidente do clube, de que o time iria pras cabeças, virou meme
e fez a festa de especialistas, mas não por muito tempo, porque logo na segunda
rodada, contra o Bahia, entrou em campo um senhor nonagenário. Homenageado na
camisa, pelos 90 anos completados neste 2017, São Januário, lotado, viu a
vitória sobre o Tricolor baiano com gols do mesmo Pikachu do pênalti não marcado
e de Luis Fabiano, fazendo o seu de número 400.
No jogo
seguinte, ainda mais abarrotado, o velho e elegante estádio que, espero, jamais
virará arena viu novo gol do Fabuloso, abrindo o placar, depois o festival de
pênaltis pro Fluminense virar e então o petardo de Manga Escobar, que em seu
jogo de glória com a camisa cruzmaltina deu ainda o passe pra que Nenê, no
minuto final, virasse de novo o placar. Êxtase, delírio, loucura em São
Januário que, depois da derrota maluca para o futuro campeão, veria ainda o
time ganhar do Sport com Fabuloso marcando o primeiro, de novo ele, e o segundo
de Douglas Luiz, mais recente joia milionária da base.
Contra o
Avaí, Nenê arrancou pela esquerda pra dar o gol da vitória a Pikachu, na
pequena área, e no jogo seguinte em São Januário, contra o Atlético Goianiense,
o camisa 10 garantiu os três pontos em cobrança perfeita de falta. Em seis
jogos, o Vasco conseguia a quinta vitória no gramado inigualável em história do
estádio que não é só templo, nem somente caldeirão ou solo sagrado, é tapa na
cara. Somado ao primeiro ponto fora, contra o Coritiba, esse desempenho em casa
levou o Vasco, na décima primeira rodada, à sexta colocação, dentro da
pré-Libertadores.
Então veio
o jogo contra o Flamengo em São Januário, mas antes vieram as mensagens nas
redes sociais incitando a violência dentro do estádio, e os ensaios de protestos
contra o Corinthians e o Avaí. A política de sempre, a divisão criada, incitada
e alimentada pela mídia que sempre torceu contra, sempre torcerá, não importa o
presidente. Um grupo político quer voltar a presidir o Vasco, o mesmo grupo que
em seis anos e meio de administração deixou o clube com dívidas triplicadas,
água cortada, ginásio abandonado, alojamentos da base destruídos e duas vezes,
como nunca antes deles na história, rebaixado.
Seis anos e
meio porque tal grupo político, com o mesmo candidato atual, simplesmente não
marcou as eleições no tempo determinado. Protelou o próprio mandato com a ajuda
do Judiciário estadual por seis meses e, nesse período, assinou confissões e
mais confissões de dívidas milionárias. A mídia soube disso e chegou a
divulgar, sim, mas não nos títulos das matérias, porque na mesma entrevista
coletiva sobre o estado em que o clube foi deixado, o atual presidente anunciou
a candidatura à reeleição. Motivo
dado, portanto, pra que a mídia varresse as denúncias pra debaixo do tapete de
seus comentários e continuasse a apoiar incondicionalmente o grupo político que
deixou o Vasco em tal estado lastimável, pré-falimentar, e que agora, de novo
nos tribunais, quer voltar.
Ninguém na mídia achou estranho o comportamento dos policiais militares, que costumam partir pro confronto munidos de cassetetes, escudo e gás de pimenta, distribuindo cacetadas pra debelar logo qualquer confronto na arquibancada, mas não em São Januário. No estádio nonagenário homenageado na camisa, a PM ficou no meio do gramado, olhando e lançando suas bombas, deixando o pau cantar livre na arquibancada e só aumentando o barulho de guerra, de bomba, o terror descrito pelas fisionomias sérias dos apresentadores, não direcionadas à Polícia Militar nem à oposição, claro que não, mas à vítima de tudo aquilo, ao Vasco.
Nenhum jornalista incomodou o autor das mensagens
incitando a violência em São Januário, nenhum repórter ou editor sequer se
preocupou com o policial que postou nas redes sociais o vídeo dele mesmo se
divertindo à beça atirando, do gramado, bombas de efeito moral no meio da
arquibancada lotada. Não houve
pena ou voz que cogitasse a possibilidade de todo o ocorrido em São Januário
naquele Vasco x Flamengo ter sido provocado pelo grupo político que teria
sérias dificuldades eleitorais no fim do ano, se o time continuasse daquele
jeito e acabasse, imagina só, na Libertadores.
Não, nem uma suspeita foi
levantada contra os aliados enquanto a mídia montava sua tese com a firmeza de
um andaime enferrujado, engolindo de um talo, sem pestanejar nem questionar, as
denúncias mastigadinhas dos órgãos oficiais. E logo
apareceu um promotor parceiro, aliás, um que aparece a toda hora, o mesmo que
há dez, onze anos, pediu a destituição da mesma diretoria atual do Vasco por um
motivo muito importante, no caso a quantidade de pontos de venda de ingressos. Surgiu
esse promotor em cena pedindo de novo a destituição da mesma diretoria, e junto
pedindo a interdição de São Januário para todo o sempre, o que nos leva a
imaginar qual seria o próximo passo de tão dileto promotor, onipresente nas
páginas e telas da imprensa. Pediria ele, por algum motivo tão importante
quanto a quantidade certa de pontos de venda de ingresso, pediria ele a
demolição do estádio?
O STJD não
agasalhou os desejos do promotor, mas impôs pena dura ao Vasco, que primeiro
ficou sem seu estádio e empatou com o Santos no Nilton Santos vazio, empatou
com o Palmeiras e perdeu do Atlético Paranaense e do Cruzeiro jogando em Volta
Redonda. Depois voltou a São Januário vazio pra ganhar do Grêmio com show da
torcida do lado de fora, ela que repetiu a dose contra a Chapecoense, no empate
com gol espírita que hoje, com a classificação deles pra Liberta e também a
nossa, faz todo o sentido.
Nesse tempo
difícil o time perdeu também Luis Fabiano, lesionado até o fim do campeonato, e
chegou a ficar perto da zona de rebaixamento. Relegada à primeira rodada, e
mais nada, a bola de cristal unânime da mídia prevendo a luta contra o descenso
esteve a dois, três pontos de voltar a fazer sentido. Os especialistas, com
certo ar de alívio, retomavam com força as projeções sombrias para o time, que
não vencia há cinco jogos quando Ramon acertou no ângulo pra decretar a segunda
das duas vitórias, no turno e no returno, contra o velho freguês das
Laranjeiras.
Em seguida
veio o show da torcida do lado de fora de São Januário vazio contra o Grêmio,
com o gol da vitória de Mateus Vital pra confirmar a ascensão da base vascaína,
que se fez presente no momento mais difícil da campanha. Thalles, com um
golaço, seu segundo e último no campeonato, teve seu canto do cisne na vitória
inédita sobre o Vitória no Barradão, antes de se perder de vez na vida,
abandonando um talento nato de goleador pelos prazeres da carne, do “crime”. No
mesmo jogo Paulo Vítor fez o terceiro e Guilherme, além da jogada para o gol de
Thalles, fez o quarto, sacramentando a única goleada do time, solitária vitória
por mais de um gol de diferença em 38 jogos.
Contra o
Galo, no Horto, quem brilhou foi Paulinho, que no primeiro gol recebeu bela
enfiada de Escudero e no segundo, passe perfeito depois de arrancada fenomenal
de Guilherme. E ungido pela sábia simplicidade de Valdir Bigode, Nenê deixou as
vaidades de lado pra guiar a garotada na reta final, sendo ele, o veterano de
36 anos, o jogador mais decisivo. Nenê fez o gol da vitória contra o Botafogo,
deu as assistências, batendo falta ou escanteio, para os gols de Paulão contra
o Cruzeiro, de Breno contra o Vitória e do gol contra do Coritiba, e cobrou com
perfeição mais uma falta pra dar a vitória contra o Santos na Vila Belmiro,
depois do golaço de empate de Evander.
No jogo
final, nosso maestro ainda teve a classe de dispensar o único pênalti marcado
para o time em todo o campeonato, porque depois de cinco, seis não assinalados,
ali já não precisava, já era tarde. Nenê jogou na trave e deixou os gols da
vitória contra a Ponte Preta para o futuro, primeiro pra Paulinho, e depois pra
Mateus Vital, ambos com a participação do melhor em campo na última rodada, o
mesmo Pikachu do pênalti ignorado contra o Palmeiras, autor do gol inaugural da
campanha contra o Bahia, no gramado inigualável em história de São Januário.
Setenta
anos depois de 1948, vinte anos depois de 1998, o Vasco estará de volta à
Libertadores em 2018. Torcida, jogadores, dirigentes e comissão técnica se
abraçaram ao apito final contra a Macaca, num São Januário com recorde de
público, mais de 22 mil pessoas celebrando e a mídia, alguns especialistas que
previram a luta ferrenha contra o rebaixamento já lançavam ali seus prognósticos, dizendo
que o time precisaria de muitos, muitos reforços, que o elenco, pra disputar
uma Libertadores, era limitado.