Foto: Carlos Gregório Jr./Vasco
O Vasco segue vivo na Libertadores na raça, na força genuína de sua camisa, moldada e alimentada por mais de um século de todo mundo contra, na entrega de seus jogadores, no grito de sua torcida e graças, sobretudo, a São Januário e seus fantasmas.
E de
repente, com um a menos contra o melhor time do grupo, perdendo por 1 a 0 com
gol do craque revelação argentino do momento, vendido também para o futebol
europeu como o nosso, mas com o cotovelo tinindo e por isso jogando, ainda, com
a camisa do Racing, de repente São Januário fez a parte dele, de novo, como já
tinha feito nos 4 a 0 sobre o respeitável Jorge Wilstermann, da Bolívia.
Maneca e
Lelé, juntos, com o auxílio ainda de Fausto e de Ipojucã, todos profundos
conhecedores daquele gramado, os quatro baixaram unidos em Thiago Galhardo.
Pikachu, que já tem Eli ao seu lado para toda a Libertadores, teve também
Paulinho de Almeida, Clebson e Orlando Lelé. E se Ríos já conta com a proteção
de Ismael, pra ajudá-lo a ganhar na trombada, na força e na bola dos zagueiros baixaram
também Dimas, Chico, Pinga e Vavá, assim
como pousaram no gramado o inventor da bicicleta, Leônidas da Silva, Russinho,
Dirceuzinho, Heleno de Freitas e Ademir de Menezes, o Queixada, pra ungir
Wagner no toque no alto, de primeira, do gol do empate, o único, até agora, do Vasco na
fase de grupos.
Não, não
perdemos de novo para o Racing e poderíamos ter ganhado, não fosse a defesa de
Musso no chute de Pikachu, que poderia ter passado a Riascos entrando livre na
diagonal pela direita, poderia, se os protetores colombianos do além de nosso
atacante mais amado tivessem se apresentado, se Duvier, entrando no segundo
tempo e logo cansado, se ele não tivesse errado quase tudo que havia tentado
até então, com a atenuante de pelo menos duas bolas roubadas na vontade. E como
nem Tesourinha, nem Friaça nem Sabará deram as caras pela camisa que o
colombiano vestia, pelo estádio, então nosso lateral artilheiro deve ter feito
mesmo o mais aconselhável quando arriscou o chute com endereço certo que
entraria, se o goleiro argentino não pegasse pelo rabo.
Racing com
um a mais e encolhido, segurando o empate no fim da partida contra todos os
fantasmas de um estádio nonagenário, contra um time com um a menos, extenuado,
e uma torcida toda ela de pé, inflamada, orgulhosa de ver Paulão, Henrique e
até Bruno Silva (xingado avidamente por mim das sociais, sim, perto da
arquibancada, quando errou duas vezes em saída de bola, mas que iniciou a
jogada do empate e deu o passe pra Pikachu, pro nosso quase gol da vitória), feliz
por ver Werley ganhando divididas com o auxílio de Augusto, de Domingos da
Guia, de Bellini, Brito, Orlando, Brilhante e Itália, incendiada pela goleada
da semana anterior, pelos 4 a 0 fora o baile amenizados por Martin Silva que,
no entanto, não tiraram o respeito pelo Vasco do nosso grande adversário,
campeão da Libertadores de 1967, primeiro time argentino a ganhar a Copa
Intercontinental, logo contra o glorioso Celtic de Glasgow.
O Racing
ganhou a Libertadores de 67 num jogo desempate contra o Nacional do Uruguai no
mesmo estádio Nacional de Santiago do Sul Americano de 48. Ganhou também a primeira das Supercopas
dos campeões da Libertadores, com Fillol
no gol, na final fora de casa contra o Cruzeiro, no mesmo Mineirão onde
irá enfrentar o mesmo adversário na última rodada desta fase de grupos, em jogo
de vital importância para nosotros. O Racing, depois da Supercopa de 1988,
nunca mais chegou forte pra ganhar um título sulamericano e agora, trinta anos
depois, chegou.
Lautaro
Martinez é um cracaço, nível Paulinho, e em volta dele há um time bem armado em
que até Donatti, aquele trapalhão grandão do Flamengo, até Donatti joga bola. O
Racing está tinindo, um dos favoritos, sem dúvida, pra ganhar essa Liberta, e
por isso faz o dever de casa direitinho, age focado, respeitando a história,
interessado em não desagradar em nada, não nessa hora, os deuses da Bola.
Antes de
nos golear, mas só depois dos trinta e tantos do primeiro tempo, depois de
quase levar gol em três lances e depois de ver nosso goleiro pegar o primeiro
de dois pênaltis, o Racing tuitou a honra de receber no seu estádio, El
Cilindro, o primeiro campeão da América. Antes da volta, retuitou o Sul Americano
de 1948 com foto do Expresso da Vitória, então só resta agradecer a reverência,
mais esse carimbo vindo de um grande da América legitimando nossa maior
conquista, maior que a Libertadores no Centenário.
Com um a
menos contra essa grande equipe, com camisa campeã, o Vasco dominou o segundo
tempo, levou alguns contra-ataques e no mais perigoso de todos eles, Barbosa,
que assistia sentado, encostado na estátua de Romário com certa preguiça, enquanto seus
companheiros eternos se esfalfavam para ajudar a levar o time dito limitado à
frente, sempre avançado, imprensando o adversário tido como muito melhor, Barbosa até levantou a
cabeça nesse instante, mas logo viu que não precisava, que Martin Silva
garantiria, como garantiu.
E foi de
Pikachu também a última chance da partida, ao receber na lateral da grande
área, mas aí já eram 48 e tanto do segundo tempo, quase quarenta minutos
jogando com um a menos e nem Orlando Lelé, nem Eli, nem Paulinho de Almeida nem
Clebson conseguiram fazer com que o cruzamento cansado do pequeno grande Yago,
rasteiro, passasse do primeiro zagueiro à sua frente. Fim de jogo, e o Vasco
dependerá agora, além das próprias forças, do mais louco dos times argentinos,
o inigualável Racing Club de Avellaneda.
Foi essa a
vontade dos deuses da Bola, então que seja feita, mas antes, claro, temos de
fazer o nosso na decisão caseira, contra o Cruzeiro de 74, de 98 e de 2000, mas
também de 75 e das tantas Copas do Brasil (quatro?) nas quais fomos, por eles,
eliminados. Que a arbitragem coincidentemente não estrangeira (justamente
quando volta o Vasco à Liberta, voltam os juízes da CBF nos jogos entre
brasileiros) não influencie em nada o resultado, que o jogo seja jogado. O que
interessa é que poderíamos estar agora com menos chance de classificação, com
mais uma derrota para o Racing no saco, essa em casa, e virtualmente eliminados,
mas não estamos, não ainda. O Vasco segue vivo na Libertadores na raça, na
força genuína de sua camisa, moldada e alimentada por mais de um século de todo
mundo contra, na entrega de seus jogadores, no grito de sua torcida e graças,
sobretudo, a São Januário e seus fantasmas.