quinta-feira, 8 de março de 2018

Há 70 anos, o gol do título


Seis elementos foram arrebanhados às pressas, de qualquer maneira e por qualquer preço, para o jogo com o Vasco. O povo foi preparado psicologicamente, discursos bélicos foram feitos minutos antes do jogo, tudo foi previsto visando a nossa derrota. Mas nada adiantou. 
O dia 8 de março já era mundialmente consagrado à mulher pela internacional socialista, mas ainda não pela ONU quando Friaça se antecipou ao goleiro Fernández pra cabecear e empatar em 1 a 1 o jogo contra o Colo Colo, anfitrião do Campeonato Sulamericano de Clubes Campeões de 1948. No penúltimo jogo da campanha, há exatos setenta anos o Vasco empatava a única partida do torneio na qual saíra perdendo, mantinha-se invicto e garantia a vantagem do empate, tão preciosa, para a decisão contra o River Plate de Di Stéfano, Labruña, Moreno e cia, uma equipe também conhecida como La Máquina.
Depois de iniciar discretamente - embaixo da classificação pra terceira fase da Libertadores e do esquenta pra disputa com o Jorge Wilstermann - a republicação dos textos de Hélio Fernandes, testemunha ocular destes jogos lendários no Chile, o A pauta é Vasco reserva um post inteiro para o segundo capítulo da série, que revela muita coisa sobre este jogo histórico no qual Friaça, aí em cima e em mais duas fotos, dois outros ângulos lá embaixo, iniciou a tradição do Vasco de ser campeão continental na casa do adversário, ao fazer o gol que, com toda justiça, só pode ser considerado o do título do Sulamericano de 1948.

Enquanto isso, Zé Ricardo decidiu ficar no Vasco, Martin Silva acertou com o clube o justo pagamento de seus salários devidos e quem pode sair do time agora, segundo a flapress, é Paulinho. Mas não pelos R$ 200 milhões de sua multa rescisória, porque esse valor, segundo a mídia especializada, não pode ser real. Real, para a flapress, são os R$ 200 milhões pelo Paquetá e o mesmo valor pelo Lincoln, esses são reais, claro, mas não o Paulinho, que nos profissionais já fez mais que estes dois e o Vinicius Jr., mais que os três juntos.

O Paulinho, segundo a flapress, deve sair logo em junho, mesmo se o Vasco, por um desses milagres inesperados para os especialistas, se classificar pro mata-mata da Libertadores. Mesmo assim o Paulinho deve ser vendido por um preço que dê pra pagar dívidas, apenas, mais nada, é o que quer e diz a mídia especializada, enquanto o Vasco segue seu rumo, setenta anos depois do texto abaixo, publicado há cinco anos, em outro blog pessoal.
Contra tudo, contra todos

Há exatos sessenta e cinco anos, esses caras que aí em cima podem ser vistos no dia do desembarque em Santiago, para a disputa do Campeoanto Sul-Americano de Clubes Campeões, empataram em 1 a 1 com o Colo Colo, gol de Friaça, e deram um passo de suma importância para que o Vasco se tornasse o primeiro clube campeão continental da história do futebol. O jogo foi uma verdadeira guerra, e o Hélio Fernandes explica tudo na segunda das quatro matérias que fez sobre o torneio para a saudosa revista O Cruzeiro. Explica também, no texto aí embaixo, porque não houve mais campeonatos sul-americanos de clubes até a primeira Libertadores, doze anos depois.

Revista O Cruzeiro, edição 25, de 10 de abril de 1948

“O quadro passou por mais esse obstáculo e o empate naquelas circunstâncias tem o sabor de vitória inesquecível, que só os grandes quadros conseguem”.


Hélio Fernandes

Quando o poderoso DC 4 da Panair desceu tranqüilamente em Los Cerillos, destacando-se da multidão, uma pessoa avançou para nós com gritinhos histéricos de alegria e esgares de satisfação na face morena e lisa.


Terno cinza claro evidentemente custoso, mas sem classe. Sapatos amarelos de mau gôsto. Camisa listada como o malandro do samba famoso. Gravata berrante como convém a um cavalheiro que precisa se fazer notado a todo custo. Eis a indumentária que revestia o corpo magro e pequeno desse que na pia batismal, há mais ou menos 48 anos, recebia o nome de Robinson Alvares Marin.
Presidente quase perpétuo do Colo Colo, auto-candidato em potencial a cargos que jamais conseguirá, o Sr. Marin vive arrostando uma importância que não possui, esbanjando espetacularmente uma fortuna conseguida rapidamente demais.
Ainda no aeroporto, quase desconhecido de todos nós, o Sr. Robinson já se desmanchava em protestos de amizade, em juras e compromissos que – sabíamos pelos campeonatos anteriores e pela revelação dos veteranos – seriam esquecidos e desrespeitados na primeira oportunidade.
Logo de saída, a primeira decepção. O contrato estipulava que a delegação ficaria confortavelmente instalada num hotel de primeira. Fomos para o Savoy, legítimo representante da Avenida Mem de Sá chilena.
Nos primeiros dias ficamos inteiramente abandonados, sem receber sequer a visita de um sub-secretário de qualquer departamento do clube promotor. Ninguém da Federação chilena. Ninguém do Colo Colo. Ninguém da Divisão de Honor. As visitas de confraternização e cordialidade eram todas para River e Nacional, astros de fama mundial que, participando do campeonato quase antecipadamente como ganhadores, monopolizavam por isso a atenção de todos os desportistas chilenos.
Enquanto isso, o Vasco, quando muito um comparsa ilustre, tendo o corredor do Savoy por ménage, mantinha-se discretamente à distância, convencido de que o poderio do quadro e suas conseqüentes vitórias conseguiriam quebrar o gelo que, envolvendo perigosamente o hotel, ameaçava-nos irremediavelmente.
Mas essa situação durou apenas onze dias, ou seja, até a vitória sobre o Nacional. Depois da vitória espetacular tudo mudou. As visitas se multiplicavam. Eram tantas e a tantas horas que Diogo nomeou o jornalista Paulo Medeiros introdutor diplomático, com a incumbência especial de recebê-las.

Mas as visitas, se deram a medida do prestígio que o quadro havia conquistado para a delegação, trouxeram também um inconveniente enorme. A aproximação quase diária com o Sr. Robinson. E dessa permanência constante no Hotel, dessa assiduidade contra a qual Cozzi, Paulo e Serran logo advertiram os chefes da delegação, surgiu o grande caso que poderíamos chamar: a batalha da permanência.
Durante dias e dias foi o único motivo de discussão. Os argumentos desfilavam lado a lado, cruzavam-se no ar e às vezes não somente no ar, explodiam contra o rochedo da incompreensão de muitos, quebravam-se fragorosamente na espessa ignorância de alguns ou na incrível intolerância de outros.
Os telegramas voavam rumo a Rio e Santiago. Os telefonemas internacionais eram constantes e às vezes contínuos, sem que nada fosse resolvido. Robinson atacava visando ganhar mais dinheiro. A delegação resistia disposta a defender o prestígio esportivo não mais de um clube, mas de um país.
Estava a situação nesse pé quando surge em cena o doce e melífluo senhor Luís Valenzuela, cavalheiro de fino trato e aparência distinta como exigem os anúncios de apartamentos de Copacabana.
Maneiroso, insinuante, evidentemente inteligente e hábil, pousou silenciosamente no hall do Savoy, e com passos de veludo e voz da mesma cor, entrou imediatamente em ação. Vinte e quatro horas depois, estava tudo resolvido. Por misteriosas razões que nem o mais hábil detective descobriria, o Sr. Valenzuela conseguiu da CBD aquilo que o Vasco não pudera – ou não quisera – conseguir. O adiamento da nossa volta.


Depois dessa resolução passamos quinze dias maravilhosos de tranqüilidade. Apenas a intuição dos jornalistas veteranos em excursões dessa espécie, pressentindo o perigo mesmo antes dêle manifestar-se, quebrava um pouco essa paz que os romancistas costumam chamar de bucólica.
E o perigo manifestou-se às vésperas do jogo contra o Colo Colo revestindo-se da forma inédita adotada pelo seu presidente. A substituição – não na forma mas no conteúdo – do quadro local pelo selecionado local.
Seis elementos foram arrebanhados às pressas, de qualquer maneira e por qualquer preço, para o jogo com o Vasco. O povo foi preparado psicologicamente, discursos bélicos foram feitos minutos antes do jogo, tudo foi previsto visando a nossa derrota. Mas nada adiantou. O quadro passou por mais esse obstáculo e o empate naquelas circunstâncias tem o sabor de vitória inesquecível, que só os grandes quadros conseguem.
Invicto depois de cinco jogos, era demais. O Sr. Robinson, encolerizado com tamanha audácia de um clube que viera apenas e simplesmente como participante, resolveu vingar-se organizando um “show” espetacular para a noite do jogo Colo Colo “versus” Nacional, que seria dirigido pelo brasileiro Malcher.
Nessa noite, no dizer do Sr. Simom, presidente do Nacional, o Sr. Robinson desceu mais baixo que o próprio chão. Perdeu inteiramente a linha, declarou o Sr. Gonzales, da delegação uruguaia, enquanto o delegado argentino constatava com tristeza: o presidente do Colo Colo agiu como um torcedor vulgar e foi o único culpado dos acontecimentos.

Chamando o juiz brasileiro de ladrão e retratando-se 24 horas depois, sem glória e sem nobreza, investindo traiçoeiramente contra a imprensa de seu próprio país e tentando comprar a do estrangeiro, o Sr. Marin não merece outro qualificativo que o de aventureiro. Aventureiro sem escrúpulos e sem lei, sem limitações de consciência, sem idéias e sem ideais.
Agindo deslealmente contra todas as delegações que participaram do Torneio do Chile, desmanchando com os pés o que fizera com a cabeça, o Sr. Robinson Álvares Marin destruiu toda a admiração que conquistara ao organizar, corajosa e audaciosamente, o Campeonato dos Campeões. Agindo como agiu, além de prejudicar-se, o Sr. Marin comprometeu irremediavelmente a organização de futuros campeonatos de campeões. Porque agora, dificilmente ele se repetirá.

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